quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Perguntas...
Porque estou assim? Porque me mente o espelho? Porque me sinto desamparado? Porque está tudo escuro à minha volta? Porque me falta o chão debaixo dos pés? Porque grito e ninguém me ouve? Porque tenho frio quando está calor e calor quando está frio? Porque preciso de aconchego quando ninguém mo dá e porque o rejeito quando mo oferecem? Porque quero estar sozinho e odeio tanto a solidão? Porque choro tanto sem conseguir verter uma lágrima? Porque dói tanto a ferida que não se vê? Porque sou incapaz de aceitar a realidade? Porque diabo é esta a minha realidade? Porque me orgulho das escolhas de que me arrependo? Porque me arrependo das escolhas de que me orgulho? Porque tenho medo do que não escolhi? Porque tenho medo do que desconheço? Porque tenho medo do que não existe? Porque tenho medo do que não aconteceu? Porque tenho medo da escuridão? Porque não encontro abrigo para os meus medos? Porque passo a vida a fugir dos meus medos? Porque tenho tantos medos? Porque tenho tantas perguntas? Porque ninguém me responde? Porquê?
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Memórias de uma vida
Olá cara amiga. Cá estou de novo. Sempre gostei de estar ao pé de ti. Fazes parte da minha vida. Não sei quando me dei conta de ti pela primeira vez, mas sei que foi ainda durante a minha infância. Mas na altura não te ligava muito. Era criança e depois adolescente e tinha muito em que pensar. Tu eras apenas alguém que sempre aqui estavas.
Foi quando regressei da tropa que passei a dar-te importância. Foi um regresso duro. Não que tivesse estado nas ex-colónias, como mais tarde aconteceu a muitos. Nessa altura o regime ainda não mandava ninguém para as colónias. Não interessava. Eram tesouros reservados a apenas alguns escolhidos, colonos ricos que tinham séquitos sem fim a servi-los. Não, a minha tropa foi muito banal. Dezasseis meses fechado num quartel qualquer. Como a maioria dos meus camaradas, eu era apenas mais um ignorante oriundo de uma aldeola com um nome difícil de pronunciar. Como não sabia escrever, também não sabia pronunciá-lo e por isso em cada repartição a que me dirigia ficava a morar numa aldeia de nome diferente. Alfavés, Afoves, Alfôvas, Alouvés, enfim, todas as variações que as diferentes pronúncias de cada funcionário de repartição conseguiam interpretar.
Dizia-te que foi um regresso difícil, porque vim de longe e não tinha dinheiro. O pouco que nos davam no exército era gasto em copos de três e em cigarros de aspecto e sabor bem pior que os maravilhosos Provisórios e Definitivos que mais tarde apareceram nas tabernas. Como todo o dinheiro era gasto, nunca cá vim durante os dezasseis meses. Por isso o regresso foi tão doloroso. Não foi por ter demorado duas semanas entre quilómetros a pé, dormidas na borda da estrada ou nalgum confortável banco de jardim em alguma cidade que se me atravessou no caminho. Foi difícil porque não sabia quem iria encontrar. Foi difícil porque não sabia se alguém me reconheceria. Afinal tinha saído daqui criança e dezasseis meses depois era uma espécie adulto feito à força. Até já a barba tinha umas manchas mais claras que o desejável, especialmente visíveis por terem estado duas semanas sem ser aparadas.
Depois de subir a ladeira foste primeira pessoa que vi. Sorriste para mim, indicando-me que me reconheceras. Foi algo completamente inesperado. Eu já mal me lembrava de ti mas esse teu sorriso sedutor acordou-me. Fez-me lembrar de tudo o que cá tinha deixado. De todos os que faziam parte da minha vida antes da partida e que eu simplesmente apagara da minha memória em escassos dezasseis meses.
Foi junto a ti que rapidamente soube de tudo o que se passara durante esse tempo. O meu pai, se assim se pode chamar a alguém cujas palavras para mim se resumiram a coisas como “vai trabalhar, malandro”, “faz-te à vida, filho da puta” e “não me chateies os cornos”, o meu pai, dizia, tinha finalmente decidido fugir para parte incerta com uma das mulheres de fora que cá apareciam nas campanhas da apanha da azeitona. A minha mãe, que sempre fora uma desgraçada, morrera três meses antes de eu regressar. Fora encontrada morta em casa, enrolada sobre si própria na sua cama.
Aqui estava eu, sem dinheiro nem família nem amigos. Restavas-me tu, que me sorriste quando cheguei. Restava-me também a casa dos meus pais, perto de ti. E assim víamo-nos todos os dias. Fui conversando contigo toda esta vida. Todos os dias me vias chegar aqui ao largo pelas seis e meia da manhã para ver se arranjava patrão. Na altura da cava da vinha lá me ia safando. Davam-me três réis por dia e ofereciam-me o almoço. Sem ninguém ver, cortava uma fatia de pão duro que, juntamente com meia dúzia de azeitonas e às vezes uma rodela de morcela rançosa, colocava no bolso. Era para o jantar. Às vezes penso que até viam, mas não diziam nada fazendo silenciosamente uma simpatia com esta miserável criatura de Deus. Noutras alturas comia o pouco que as moedas conseguiam comprar. Fazia muitas vezes pequenos trabalhos simplesmente em troca de algo que pudesse trincar.
Os anos foram passando e nunca mulher nenhuma se interessou por mim. O meu aspecto desleixado não ajudava, mas o pior era que todos sabiam que não dava futuro a ninguém. Além disso estava apaixonado por ti. Sempre estive. E tu foste sempre minha amiga, minha confidente. Sabias ouvir-me sem me recriminares. Sempre foste muito boa. É verdade que me fazias a vida negra. Não podia suportar que desses a outros o teu sorriso. Não podia suportar que fosses a confidente íntima de outros. E muitos deles casados e sem vergonha. Por isso por vezes amaldiçoava-te. Tinha-te uma raiva de morte. Mas fazíamos as pazes depressa. Eu não podia viver sem ti. E afinal nunca me tinhas prometido fidelidade. Apenas que sempre aqui estarias para me ouvir.
Continuo a amar-te do fundo do coração. Já não apaixonado porque o coração já não aguenta essas emoções. Continuas a ouvir-me com atenção e paciência. E quanto ela te deve ser necessária quando, com dois copos de vinho a mais, te digo coisas que nunca deveria deixar sair. Mas hoje digo-te tudo. Agradeço-te teres sido a minha única companhia nesta vida solidária. Teres sido a minha única razão de viver. Única. Em conjunto com os copos de vinho mal cheiroso que os gozões me pagam só para me ver a trocar os pés até chegar a casa. Hoje digo-te tudo porque sinto que não mais voltarei a falar contigo. Estou velho. Espanta-me que tu continues com esse ar jovial de cabelos ao vento. Eu estou velho e acabado. Vou finalmente descansar. Vou levar no meu bolso uma semente tua. Quando o caixão apodrecer, nas últimas chuvas de uma Primavera, nascerá o único fruto do nosso amor. Uma linda e frondosa Palmeira!
(texto ficcional)
Foi quando regressei da tropa que passei a dar-te importância. Foi um regresso duro. Não que tivesse estado nas ex-colónias, como mais tarde aconteceu a muitos. Nessa altura o regime ainda não mandava ninguém para as colónias. Não interessava. Eram tesouros reservados a apenas alguns escolhidos, colonos ricos que tinham séquitos sem fim a servi-los. Não, a minha tropa foi muito banal. Dezasseis meses fechado num quartel qualquer. Como a maioria dos meus camaradas, eu era apenas mais um ignorante oriundo de uma aldeola com um nome difícil de pronunciar. Como não sabia escrever, também não sabia pronunciá-lo e por isso em cada repartição a que me dirigia ficava a morar numa aldeia de nome diferente. Alfavés, Afoves, Alfôvas, Alouvés, enfim, todas as variações que as diferentes pronúncias de cada funcionário de repartição conseguiam interpretar.
Dizia-te que foi um regresso difícil, porque vim de longe e não tinha dinheiro. O pouco que nos davam no exército era gasto em copos de três e em cigarros de aspecto e sabor bem pior que os maravilhosos Provisórios e Definitivos que mais tarde apareceram nas tabernas. Como todo o dinheiro era gasto, nunca cá vim durante os dezasseis meses. Por isso o regresso foi tão doloroso. Não foi por ter demorado duas semanas entre quilómetros a pé, dormidas na borda da estrada ou nalgum confortável banco de jardim em alguma cidade que se me atravessou no caminho. Foi difícil porque não sabia quem iria encontrar. Foi difícil porque não sabia se alguém me reconheceria. Afinal tinha saído daqui criança e dezasseis meses depois era uma espécie adulto feito à força. Até já a barba tinha umas manchas mais claras que o desejável, especialmente visíveis por terem estado duas semanas sem ser aparadas.
Depois de subir a ladeira foste primeira pessoa que vi. Sorriste para mim, indicando-me que me reconheceras. Foi algo completamente inesperado. Eu já mal me lembrava de ti mas esse teu sorriso sedutor acordou-me. Fez-me lembrar de tudo o que cá tinha deixado. De todos os que faziam parte da minha vida antes da partida e que eu simplesmente apagara da minha memória em escassos dezasseis meses.
Foi junto a ti que rapidamente soube de tudo o que se passara durante esse tempo. O meu pai, se assim se pode chamar a alguém cujas palavras para mim se resumiram a coisas como “vai trabalhar, malandro”, “faz-te à vida, filho da puta” e “não me chateies os cornos”, o meu pai, dizia, tinha finalmente decidido fugir para parte incerta com uma das mulheres de fora que cá apareciam nas campanhas da apanha da azeitona. A minha mãe, que sempre fora uma desgraçada, morrera três meses antes de eu regressar. Fora encontrada morta em casa, enrolada sobre si própria na sua cama.
Aqui estava eu, sem dinheiro nem família nem amigos. Restavas-me tu, que me sorriste quando cheguei. Restava-me também a casa dos meus pais, perto de ti. E assim víamo-nos todos os dias. Fui conversando contigo toda esta vida. Todos os dias me vias chegar aqui ao largo pelas seis e meia da manhã para ver se arranjava patrão. Na altura da cava da vinha lá me ia safando. Davam-me três réis por dia e ofereciam-me o almoço. Sem ninguém ver, cortava uma fatia de pão duro que, juntamente com meia dúzia de azeitonas e às vezes uma rodela de morcela rançosa, colocava no bolso. Era para o jantar. Às vezes penso que até viam, mas não diziam nada fazendo silenciosamente uma simpatia com esta miserável criatura de Deus. Noutras alturas comia o pouco que as moedas conseguiam comprar. Fazia muitas vezes pequenos trabalhos simplesmente em troca de algo que pudesse trincar.
Os anos foram passando e nunca mulher nenhuma se interessou por mim. O meu aspecto desleixado não ajudava, mas o pior era que todos sabiam que não dava futuro a ninguém. Além disso estava apaixonado por ti. Sempre estive. E tu foste sempre minha amiga, minha confidente. Sabias ouvir-me sem me recriminares. Sempre foste muito boa. É verdade que me fazias a vida negra. Não podia suportar que desses a outros o teu sorriso. Não podia suportar que fosses a confidente íntima de outros. E muitos deles casados e sem vergonha. Por isso por vezes amaldiçoava-te. Tinha-te uma raiva de morte. Mas fazíamos as pazes depressa. Eu não podia viver sem ti. E afinal nunca me tinhas prometido fidelidade. Apenas que sempre aqui estarias para me ouvir.
Continuo a amar-te do fundo do coração. Já não apaixonado porque o coração já não aguenta essas emoções. Continuas a ouvir-me com atenção e paciência. E quanto ela te deve ser necessária quando, com dois copos de vinho a mais, te digo coisas que nunca deveria deixar sair. Mas hoje digo-te tudo. Agradeço-te teres sido a minha única companhia nesta vida solidária. Teres sido a minha única razão de viver. Única. Em conjunto com os copos de vinho mal cheiroso que os gozões me pagam só para me ver a trocar os pés até chegar a casa. Hoje digo-te tudo porque sinto que não mais voltarei a falar contigo. Estou velho. Espanta-me que tu continues com esse ar jovial de cabelos ao vento. Eu estou velho e acabado. Vou finalmente descansar. Vou levar no meu bolso uma semente tua. Quando o caixão apodrecer, nas últimas chuvas de uma Primavera, nascerá o único fruto do nosso amor. Uma linda e frondosa Palmeira!
(texto ficcional)
Sempre fui dado a engenhocas...
Lembro-me que devia ter uns onze anos quando abri pela primeira vez um relógio daqueles da feira, que já não funcionava. O meu pai achava que o problema era a pilha mas o meu instinto dizia-me que não. Que deveria ser outra coisa. O facto de o ter mergulhado em água para ver se era estanque ajudava bastante na minha intuição. Tinha de o abrir! Tinha de o por a funcionar de novo.
Mas o que me guiava era mesmo a vontade insustentável de saber o que tinha dentro. Como seria possível que os números pudessem aparecer num bocado de vidro? Como diabo aquilo funcionava meses a fio sem se enganar nas horas? Foi complicado retirar a tampa. Mas com um canivete, força, persistência e um corte num dedo, consegui! Fantástico! Aquilo tinha muito poucas peças: um chassis plástico que suportava os restantes componentes, uma pilha, uma placa com uns risquinhos prateados e uma coisa preta que parecia um bocado de pastinha velha e esborrachada, umas chapinhas que ligavam a pilha à placa, um vidrinho onde deveriam aparecer os números, uma borrachinha que ficava entre o vidro e a placa e um cilindro metálico de dois milímetros de espessura por cinco de comprimento. Fascinante. O meu relógio tinha ainda um componente que não tinha vindo de fábrica. Água!
Desmontei tudo, peça por peça. Sequei-as todas e com cuidado voltei a montar tudo sem colocar na caixa do relógio. Liguei a pilha e por uns instantes apareceram uns traços no vidrinho. Mas desapareceram. E não eram os números que eu queria ver. Um sucesso mal sucedido! Voltei a desmontar e analisei todos os pormenores de todas as peças. Percebi que o vidrinho era bastante mais complexo que um simples vidro. Se o colocasse à luz conseguia ver que tinha risquinhos que vinham desde um dos lados até cada um dos traços com que formavam os números. Percebi então que a borrachinha não servia apenas para segurar o vidro. Servia também para fazer as dezenas de contactos entre a placa e o vidro. E por isso a sua colocação tinha extrema importância para que todos os contactos fossem bem feitos.
À luz deste novo conhecimento, voltei a montar tudo. Coloquei a pilha et voilá. O relógio estava a funcionar. Acertei as horas, os minutos e os segundos através daquele relógio de ponteiros que aparecia a dar as oito horas da noite antes de o telejornal começar. Estava radiante. Explodia de alegria. Queria gritar para o mundo que tinha conseguido arranjar o meu relógio. Que tinha aprendido algo sobre como funcionava. Que queria arranjar relógios toda a minha vida, para aprender todos os pormenores de como funcionam.
Só tinha um problema… Não podia dizer a ninguém. O meu pai não podia saber que eu tinha aberto o relógio. E muito menos que o tinha desmontado peça por peça. Sei hoje que me teria ralhado bastante mas que teria ficado a transbordar de orgulho. Mas na altura não o sabia, e por isso guardei este sucesso para mim. Não se perdeu. Continuo engenhocas. Continuo a ter uma curiosidade mórbida sobre como todas as coisas funcionam. Não consigo comprar nenhum aparelho sem sentir uma enorme tentação de o abrir de imediato e ver o que tem dentro.

Hoje faço um pouco mais… Também tento construir coisas. Como um gerador eólico, projecto com mais de um ano, que já esteve no ar uma meia dúzia vezes e se escangalhou outras tantas. Mas não fico frustrado. Aprendo sempre mais qualquer coisa. E em breve irá para o ar outra vez, mais resistente e mais eficiente.
Sempre fui dado a engenhocas. E espero passar esse espírito aos meus filhos. Não deverá ser difícil pois curiosidade não lhes falta. Aprender deve ser um prazer, não uma obrigação ou necessidade.
Aprendam a gostar de aprender!
Mas o que me guiava era mesmo a vontade insustentável de saber o que tinha dentro. Como seria possível que os números pudessem aparecer num bocado de vidro? Como diabo aquilo funcionava meses a fio sem se enganar nas horas? Foi complicado retirar a tampa. Mas com um canivete, força, persistência e um corte num dedo, consegui! Fantástico! Aquilo tinha muito poucas peças: um chassis plástico que suportava os restantes componentes, uma pilha, uma placa com uns risquinhos prateados e uma coisa preta que parecia um bocado de pastinha velha e esborrachada, umas chapinhas que ligavam a pilha à placa, um vidrinho onde deveriam aparecer os números, uma borrachinha que ficava entre o vidro e a placa e um cilindro metálico de dois milímetros de espessura por cinco de comprimento. Fascinante. O meu relógio tinha ainda um componente que não tinha vindo de fábrica. Água!
Desmontei tudo, peça por peça. Sequei-as todas e com cuidado voltei a montar tudo sem colocar na caixa do relógio. Liguei a pilha e por uns instantes apareceram uns traços no vidrinho. Mas desapareceram. E não eram os números que eu queria ver. Um sucesso mal sucedido! Voltei a desmontar e analisei todos os pormenores de todas as peças. Percebi que o vidrinho era bastante mais complexo que um simples vidro. Se o colocasse à luz conseguia ver que tinha risquinhos que vinham desde um dos lados até cada um dos traços com que formavam os números. Percebi então que a borrachinha não servia apenas para segurar o vidro. Servia também para fazer as dezenas de contactos entre a placa e o vidro. E por isso a sua colocação tinha extrema importância para que todos os contactos fossem bem feitos.
À luz deste novo conhecimento, voltei a montar tudo. Coloquei a pilha et voilá. O relógio estava a funcionar. Acertei as horas, os minutos e os segundos através daquele relógio de ponteiros que aparecia a dar as oito horas da noite antes de o telejornal começar. Estava radiante. Explodia de alegria. Queria gritar para o mundo que tinha conseguido arranjar o meu relógio. Que tinha aprendido algo sobre como funcionava. Que queria arranjar relógios toda a minha vida, para aprender todos os pormenores de como funcionam.
Só tinha um problema… Não podia dizer a ninguém. O meu pai não podia saber que eu tinha aberto o relógio. E muito menos que o tinha desmontado peça por peça. Sei hoje que me teria ralhado bastante mas que teria ficado a transbordar de orgulho. Mas na altura não o sabia, e por isso guardei este sucesso para mim. Não se perdeu. Continuo engenhocas. Continuo a ter uma curiosidade mórbida sobre como todas as coisas funcionam. Não consigo comprar nenhum aparelho sem sentir uma enorme tentação de o abrir de imediato e ver o que tem dentro.

Hoje faço um pouco mais… Também tento construir coisas. Como um gerador eólico, projecto com mais de um ano, que já esteve no ar uma meia dúzia vezes e se escangalhou outras tantas. Mas não fico frustrado. Aprendo sempre mais qualquer coisa. E em breve irá para o ar outra vez, mais resistente e mais eficiente.
Sempre fui dado a engenhocas. E espero passar esse espírito aos meus filhos. Não deverá ser difícil pois curiosidade não lhes falta. Aprender deve ser um prazer, não uma obrigação ou necessidade.
Aprendam a gostar de aprender!
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Fim-de-semana em Évora

No fim de semana passado passei-me! Fui com a Marta para Évora! Estávamos a precisar de uma escapadinha. Em boa hora não fizemos planos complicados. Chegámos, alojámo-nos num simples mas simpático hotel e fomos conhecer a cidade, diurna e nocturna.
A cidade é muito bonita e com motivos de interesse de sobra e as pessoas muitos simpáticas e alegres.
Come-se muito bem, e com os maravilhosos tintos alentejanos a acompanhar, foi uma perdição completa. Vamos levar umas semanas a dissipar os quilinhos que ganhámos.
Na sexta-feira jantámos no Restaurante S. Luís. Muito simpático e calmo. Deu para por a conversa em dia, o que bastante falta nos fazia. Sete anos a viver juntos leva a que deixemos de ter tempo para conversas. Os miúdos são umas sanguessugas de carinhos e atenção, pelo que as nossas conversas tendem a ser muito curtas e com sentido prático. Onde está a chucha da Mariana? O Joaquim está a ficar constipado. Importas-te de passar pela farmácia e comprar mais um frasco de xarope? Vamos-lhes dar banho? Deitas o Joaquim ou a Mariana? O Joaquim já dorme. A Mariana pede água. O Joaquim tosse, acorda e volta para a sala. Pai, tenho medo de ficar sozinho no quarto. Posso ver o Ruca só um bocadinho muito pequenino? Mas hoje já viste esse DVD umas 40 vezes… Então quero o Noddy. O Noddy já está a dormir. Tu também tens que dormir. Mas eu não quero… A Mariana quer água outra vez! Podes ir lá Marta? Joaquim vai para a cama. Amanhã tens de te levantar cedo para ires para a escola. Mas eu não quero ir à escola. Porquê? Não me apetece. Não te apetece!? Não quero ir para a cama. Joaquim! Já chega. VAI PARA A CAMA!
Deixámo-los com os meus pais. Coitados! Os meus pais, obviamente! Claro que nós pensávamos que ia ser muito difícil eles quererem lá ficar e não ir connosco. Achávamos que iam ter imensas saudades nossas e iam fartar-se de chorar. Claro que somos ingénuos. Claro que eles ficaram felizes da vida e se divertiram o fim-de-semana todo. Claro que nós ficámos cheios de saudades. Claro que de cada vez que telefonávamos e falávamos com eles, ficávamos com a lágrima no canto do olho. Claro que não conseguíamos estar 10 minutos sem pensar neles.
O Jantar acabou e fomos a um bar recomendado pelo simpático senhor que nos atendeu no restaurante. Tínhamos ali estado duas horas e meia. Depois de tanto vinho já falávamos com ele como se o conhecêssemos desde a nossa infância.
Não consigo lembrar-me do nome do bar. Não sei se cheguei a saber o nome. Sei que se podia fumar. Mas eu só tinha dois cigarros ou três. Quando acabaram fui para comprar mais. Mas não tinha trocos. No bar também não tinham. Eram apenas 23h, o bar ainda estava vazio e ainda nenhum cliente tinha pago nada. O barman ofereceu-me dois cigarros. Algum tempo depois estava na mesma. O segurança, homem encorpado e simpático levou-me à porta de uma casa vizinha, bateu à porta e foi-se embora. Veio um rapaz a quem expliquei que ali me tinham mandado para pedir troco de cinco euros. Resmungou qualquer coisa, pediu-me para subir um lanço de escadas até um patamar e esperar. Entrou por uma porta semi-aberta e eu aí fiquei. Ao fim de uns minutos, resolvi espreitar. Me ti a cabeça e na minha direcção estavam viradas umas cinquenta caras de pessoas sentadas numa mesa comprida. Esbocei um sorriso forçado e recolhi a cabeça para junto do tronco. Foi uma ideia estúpida, mas entretanto chegou o troco. Depois de muitos gins tónicos, vodkas com Red Bull e umas imperiais para aconchegar, decidimos que eram horas de voltar ao hotel. Não sem antes dar-mos uma seca monumental ao porteiro, que conhecia bem o Ribatejo, pois era a sua zona de trabalho quando era colector de cobranças difíceis…
Não sei se nos perdemos pelo caminho para o hotel. Provavelmente, no meio de tantas ruas e vielas, devemos ter dado várias voltas pelos mesmos sítios. No entanto, a memória não funcionava ee assim não demos por isso. Pelo caminho tirámos uma fotografias. Sei que me sentei no chão para a pose e sei também que a Marta se sentou ao lado de algo que lhe pareceu um banco (ou mesmo cama) e se estatelou no chão. Mas foi muito engraçado.
A cidade é muito bonita e com motivos de interesse de sobra e as pessoas muitos simpáticas e alegres.
Come-se muito bem, e com os maravilhosos tintos alentejanos a acompanhar, foi uma perdição completa. Vamos levar umas semanas a dissipar os quilinhos que ganhámos.
Na sexta-feira jantámos no Restaurante S. Luís. Muito simpático e calmo. Deu para por a conversa em dia, o que bastante falta nos fazia. Sete anos a viver juntos leva a que deixemos de ter tempo para conversas. Os miúdos são umas sanguessugas de carinhos e atenção, pelo que as nossas conversas tendem a ser muito curtas e com sentido prático. Onde está a chucha da Mariana? O Joaquim está a ficar constipado. Importas-te de passar pela farmácia e comprar mais um frasco de xarope? Vamos-lhes dar banho? Deitas o Joaquim ou a Mariana? O Joaquim já dorme. A Mariana pede água. O Joaquim tosse, acorda e volta para a sala. Pai, tenho medo de ficar sozinho no quarto. Posso ver o Ruca só um bocadinho muito pequenino? Mas hoje já viste esse DVD umas 40 vezes… Então quero o Noddy. O Noddy já está a dormir. Tu também tens que dormir. Mas eu não quero… A Mariana quer água outra vez! Podes ir lá Marta? Joaquim vai para a cama. Amanhã tens de te levantar cedo para ires para a escola. Mas eu não quero ir à escola. Porquê? Não me apetece. Não te apetece!? Não quero ir para a cama. Joaquim! Já chega. VAI PARA A CAMA!
Deixámo-los com os meus pais. Coitados! Os meus pais, obviamente! Claro que nós pensávamos que ia ser muito difícil eles quererem lá ficar e não ir connosco. Achávamos que iam ter imensas saudades nossas e iam fartar-se de chorar. Claro que somos ingénuos. Claro que eles ficaram felizes da vida e se divertiram o fim-de-semana todo. Claro que nós ficámos cheios de saudades. Claro que de cada vez que telefonávamos e falávamos com eles, ficávamos com a lágrima no canto do olho. Claro que não conseguíamos estar 10 minutos sem pensar neles.
O Jantar acabou e fomos a um bar recomendado pelo simpático senhor que nos atendeu no restaurante. Tínhamos ali estado duas horas e meia. Depois de tanto vinho já falávamos com ele como se o conhecêssemos desde a nossa infância.
Não consigo lembrar-me do nome do bar. Não sei se cheguei a saber o nome. Sei que se podia fumar. Mas eu só tinha dois cigarros ou três. Quando acabaram fui para comprar mais. Mas não tinha trocos. No bar também não tinham. Eram apenas 23h, o bar ainda estava vazio e ainda nenhum cliente tinha pago nada. O barman ofereceu-me dois cigarros. Algum tempo depois estava na mesma. O segurança, homem encorpado e simpático levou-me à porta de uma casa vizinha, bateu à porta e foi-se embora. Veio um rapaz a quem expliquei que ali me tinham mandado para pedir troco de cinco euros. Resmungou qualquer coisa, pediu-me para subir um lanço de escadas até um patamar e esperar. Entrou por uma porta semi-aberta e eu aí fiquei. Ao fim de uns minutos, resolvi espreitar. Me ti a cabeça e na minha direcção estavam viradas umas cinquenta caras de pessoas sentadas numa mesa comprida. Esbocei um sorriso forçado e recolhi a cabeça para junto do tronco. Foi uma ideia estúpida, mas entretanto chegou o troco. Depois de muitos gins tónicos, vodkas com Red Bull e umas imperiais para aconchegar, decidimos que eram horas de voltar ao hotel. Não sem antes dar-mos uma seca monumental ao porteiro, que conhecia bem o Ribatejo, pois era a sua zona de trabalho quando era colector de cobranças difíceis…
Não sei se nos perdemos pelo caminho para o hotel. Provavelmente, no meio de tantas ruas e vielas, devemos ter dado várias voltas pelos mesmos sítios. No entanto, a memória não funcionava ee assim não demos por isso. Pelo caminho tirámos uma fotografias. Sei que me sentei no chão para a pose e sei também que a Marta se sentou ao lado de algo que lhe pareceu um banco (ou mesmo cama) e se estatelou no chão. Mas foi muito engraçado.
Chegados ao hotel, não devia passar ainda das quatro da matina. Achámos que o que saberia mesmo bem seria um porto. Fomos ao bar do hotel. O barman que também era recepcionista era doutorado em psicologia, o que nos ajudou bastante. Não sei quem deu seca a quem, mas sei que bebemos vários portos. Ele deve ter gostado de nós porque na noite seguinte nos ofereceu um café.
De manhã, tomámos o pequeno almoço no hotel e fomos conhecer a cidade. Assim que chegámos à Praça do Giraldo, sentámo-nos numa explanada e bebemos cafés e águas. Estava-se ali bem. A temperatura era simpática e fazia uma brisa fresca que nos aliviava o espírito. A luz é que era um bocado intensa, apesar dos óculos escuros colados aos olhos…
De qualquer modo, ao almoço não dispensámos uma visita à Cervejeira Lusitana lá do sítio. E para começar, cogumelos gratinados. São bons absorventes. Depois disto estávamos novinhos em folha. Passeámos, vimos tudo o que são igrejas, mosteiros e sés, fomos ao Templo Diana, vimos uns japoneses a filmar um anúncio qualquer, usámos a casa de banho pública, vimos a capela dos ossos, o museu do artesanato e contámos as pedras das calçadas que cobrem todas as ruas de Évora. Como não podia deixar de ser, comprámos as lembranças da praxe. E até ficámos uns minutos a tomar conta da loja onde comprei a minha boina, enquanto a dona foi ao armazém procurar chapéus para mostrar à Marta.
À noite resolvemos ir a Montemor-o-Novo ver o castelo e jantar por lá. Tempo perdido. O castelo estava fechado. E a cidade já dormia, embora não passasse das 20h30. Decisão rápida: voltámos para Évora. Abandonámos de novo o carro no hotel e fomos para a noite. Depois de mais um belo jantar, decidimos espreitar um bar de fados que tínhamos visto de manhã. O Bota Alta. Que rica ideia. Entrámos pelas 23h, sentámo-nos e quando a simpática dona veio ter connosco, pedimos simplesmente uma garrafa de tinto Eugénio de Almeida. Um néctar especial, garanto-vos. Entretanto os fados começaram. Cada fadista cantava três, ao que se seguia um pequeno intervalo. Esse era aproveitado por setenta por cento dos presentes para vir à rua fumar. Dessa forma metíamos conversa uns com os outros e aproveitávamos para dar os parabéns aos fadistas da noite. A casa encheu até estarmos praticamente sentados ao colo uns dos outros. No final éramos todos conhecidos e amigos uns dos outros. Muita simpatia e muita abertura de espírito em conjunto. Claro que o vinho também ajudava, embora às três da manhã já todos, novos e velhos, estivéssemos a beber vodka com limão e vinhos do porto.
E foi assim o fim-de-semana em Évora. Aprendi duas coisas. Por muito complicada que a vida seja, temos de reservar para nós algum tempo. Por mais importantes que os nossos filhos sejam na nossa vida, para o nosso bem e deles também, é necessário afastarmo-nos um pouco para sabermos arrumar tudo o que temos e gostaríamos de ter nos lugares correctos. Aprendi também que a única forma de conhecer uma cidade é estar com as pessoas. Falar com elas. Ouvi-las e também partilhar com elas um pouco de nós.
E, como desejávamos, viemos de lá mais novos, mais vivos e mais enamorados.
De manhã, tomámos o pequeno almoço no hotel e fomos conhecer a cidade. Assim que chegámos à Praça do Giraldo, sentámo-nos numa explanada e bebemos cafés e águas. Estava-se ali bem. A temperatura era simpática e fazia uma brisa fresca que nos aliviava o espírito. A luz é que era um bocado intensa, apesar dos óculos escuros colados aos olhos…
De qualquer modo, ao almoço não dispensámos uma visita à Cervejeira Lusitana lá do sítio. E para começar, cogumelos gratinados. São bons absorventes. Depois disto estávamos novinhos em folha. Passeámos, vimos tudo o que são igrejas, mosteiros e sés, fomos ao Templo Diana, vimos uns japoneses a filmar um anúncio qualquer, usámos a casa de banho pública, vimos a capela dos ossos, o museu do artesanato e contámos as pedras das calçadas que cobrem todas as ruas de Évora. Como não podia deixar de ser, comprámos as lembranças da praxe. E até ficámos uns minutos a tomar conta da loja onde comprei a minha boina, enquanto a dona foi ao armazém procurar chapéus para mostrar à Marta.
À noite resolvemos ir a Montemor-o-Novo ver o castelo e jantar por lá. Tempo perdido. O castelo estava fechado. E a cidade já dormia, embora não passasse das 20h30. Decisão rápida: voltámos para Évora. Abandonámos de novo o carro no hotel e fomos para a noite. Depois de mais um belo jantar, decidimos espreitar um bar de fados que tínhamos visto de manhã. O Bota Alta. Que rica ideia. Entrámos pelas 23h, sentámo-nos e quando a simpática dona veio ter connosco, pedimos simplesmente uma garrafa de tinto Eugénio de Almeida. Um néctar especial, garanto-vos. Entretanto os fados começaram. Cada fadista cantava três, ao que se seguia um pequeno intervalo. Esse era aproveitado por setenta por cento dos presentes para vir à rua fumar. Dessa forma metíamos conversa uns com os outros e aproveitávamos para dar os parabéns aos fadistas da noite. A casa encheu até estarmos praticamente sentados ao colo uns dos outros. No final éramos todos conhecidos e amigos uns dos outros. Muita simpatia e muita abertura de espírito em conjunto. Claro que o vinho também ajudava, embora às três da manhã já todos, novos e velhos, estivéssemos a beber vodka com limão e vinhos do porto.
E foi assim o fim-de-semana em Évora. Aprendi duas coisas. Por muito complicada que a vida seja, temos de reservar para nós algum tempo. Por mais importantes que os nossos filhos sejam na nossa vida, para o nosso bem e deles também, é necessário afastarmo-nos um pouco para sabermos arrumar tudo o que temos e gostaríamos de ter nos lugares correctos. Aprendi também que a única forma de conhecer uma cidade é estar com as pessoas. Falar com elas. Ouvi-las e também partilhar com elas um pouco de nós.
E, como desejávamos, viemos de lá mais novos, mais vivos e mais enamorados.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
A Lua
Todos os dias olho céu. É algo instintivo que vem desde criança. Porque gosto de ver as estrelas e a Lua. Talvez para saber se vai chover. Mas hoje olho-o de maneira diferente. A Lua tem hoje outros significados. Gosto de vê-la brilhante e clara no horizonte. Já a vi com um telescópio e sei que é um pouco mais real do que parece. Tem montanhas e planícies e muitas cicatrizes do passado. Mas tento sempre vê-la como a via em pequeno. A magia da noite. Que envergonha as trevas e ilumina as árvores que baloiçam ao vento. Mas de vez em quando vem uma nuvem que a tapa. Fico acabrunhado. O coração perde o ritmo e acelera desenfreado. No mesmo instante pára. Para mesmo durante uns segundos, e começo a ver-me do lado de fora. Estou fora de mim, a ver-me sentado numa pedra num caminho escuro pois a lua está bloqueada pela nuvem. Sinto-me pequeno. Sinto-me vulnerável. Sinto-me vítima da vida e do mundo. Sinto-me incompreendido. Sinto vontade de chorar. Mas o estranho é que não o faço. Não consigo. As minhas lágrimas que normalmente são muito fáceis, não querem agora sair. Pressentem que isso poderia ser uma forma de me esconder mais no escuro que a nuvem provoca ao tapar a lua. Sabem que eu não sei se as quero. Sabem que estou completamente dividido. Porque a Lua está lá. Apenas está tapada pela nuvem, mas está lá. E eu sei que está. E revolto-me contra a minha auto comiseração. É então que a nuvem é deslocada pelo vento e a Lua volta para mim. Volta a iluminar o caminho onde vagueava e a pedra onde me sentei. Volta a trazer-me a magia. Volto a sentir o coração a bater num ritmo certo e vigoroso. Volto à vida. E sinto até laivos de felicidade. Não sei o que é. Não sei explicar. É como se a luz da Lua me envolvesse. Me aquecesse. Me aconchegasse. Sinto-me bem. Por vezes penso no que aconteceria se a nuvem tivesse levado mais tempo. Mas não leva. O vento acaba sempre por a levar e a Lua é-me devolvida. Gosto de a ver. Rodeada de milhares de milhões de estrelas. Longínquas. Mas por onde passeio muitas vezes. Gosto da Lua. Gosto de ti, Lua. Todos os dias olho o céu. Para te ver.
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